Estando eu a viver fora do país, antes de adormecer, como quase sempre acontece, "naveguei" pela net, li o correio electrónico e os jornais portugueses, ouvi a TSF via net, enfim, inteirei-me do que é ( ou foi ) notícia no meu país durante o dia de hoje e, por fim, certifiquei-me que o telemóvel, do qual não abdico, está na mesinha de cabeçeira com carga suficiente para, pelo menos, aguentar toda a noite permitindo-me assim um contacto permanente com a família
Mais uma vez, vêm-me á memória os anos passados em Cahora Bassa, e as condições em que se vivia, naqueles tempos (década de 80), sobretudo, o completo isolamento da família e do mundo, que tanto me custava suportar.
Era o tempo das comunicação para o exterior do Songo apenas via "telex" ou via mala da HCB, e da informação para o Songo através dos mesmos meios, e via rádio, através das conhecidas estações "Voz da América", da "BBC" e da nossa(?!) RDP Internacional.
Esta última raramente se sintonizava em condições aceitáveis, e obrigáva-nos a ter uma grande paciência, porque tínhamos de andar com o rádio de um lado para o outro, mexer a antena para cima, para baixo e para os lados, rodar suavemente o botão sintonizador de um lado para o outro, isto tudo sempre á espera que, de um momento para o outro, e no meio de todas aquelas vozes russas, chinesas, inglesas, francesas e sei lá que mais, surgisse finalmente uma voz em português.
Naqueles tempos, quase todos os que  chegavam ao Songo vinham munidos dos mais variados tipos de rádio ondas curtas, dos quais recordo uns que eram bastante feios, a que chamavam "satélite", digamos que eram uma espécie de Ferrari dos rádios, só ao alcance de quem fazia bons contratos com a HCB.
Acontece que, tanto eu como os outros colegas, mesmo os que tinham os tais "Ferraris",  passávamos bastante mal para consegirmos sintonizar a "nossa " emissora RDP INTERNACIONAL, para sabermos  o que de importante se passava no nosso país, para acompanharmos a cotação do dólar  e, sobretudo, para ouvirmos o futebol nas tardes de Domingo.
Perante estas dificuldades em sintonizarmos a RDP, eram raras as pessoas que tinham a minha paciência para ficarem horas agarradas á rádio  e, finalmente,  ouvirem a tão desejada voz "Sintonizam a  RDP Internacional, a rádio Portugal, que transmite dos seus estúdios do Porto Alto para todo o mundo"
A esse propósito, e como bom Sportinguista que sou, não mais esqueci aquele célebre Domingo à tarde em que o Sporting "ferrou" os 7 - 1 ao Benfica. Nesse dia, mais uma vez, a rádio sintonizava-se com dificuldade, e eu "assistia" ao jogo com um grande benfiquista. Á medida que o Sporting ia metendo os golos, que iam chegando até nós com um enorme  ruído de fundo, esse amigo murmurava: "isto não deve ser verdade, não devemos estar a ouvir o jogo de Portugal, deve ser um Sporting - Benfica de outro país".
Também não mais esqueci um outro pormenor, que era o facto de eu, quase diáriamente, me agarrar ao rádio para ( tentar ) ouvir a cotação do dólar,  pois eram também tempos de grande instabilidade cambial, de desvalorizações constantes do nosso querido e saudoso escudo. Recordo também um período que, em poucos dias, o dólar passou de 210 para os 130 escudos. O que eu, e todos os portugueses sofremos com esta oscilação.
É talvez a pensar nisto que ainda hoje, sempre que vou de férias, troco Kwanzas por dólares que deixo guardados em Portugal, talvez á espera que a sua cotação chegue novamente  aos 210 escudos, como sucedeu em meados da década de 80.
Nesses tempos, sentia-me finalmente útil e importante no Songo porque era conhecida de quase todos a minha fidelidade diária á RDP internacional, pelo que diáriamente choviam telefonemas para mim, procurando saber notícias ... da cotação do dólar.
Estando agora em Angola, na era das novas tecnologias, tudo é  diferente mas, apesar de tudo, confesso que tenho muitas saudades daqueles tempos vividos no Songo, que não mais esquecerei

 José Magalhães

   Ex HCB; Ex DOP/C