Um abraço para todos.
Até dia 23 de Maio.
Galvão.
Oh S'tôr, oh S'tôr...
Durante o ano lectivo de 1989/90 leccionei a disciplina de Ciências aos
alunos da 5ª e 6ª classes da Escola Portuguesa de Cahora Bassa.
O convite foi completamente inesperado mas feito de forma tão veemente que
eu não tinha como recusar. Ainda por cima, foi feito pelo Jorge Ferrão,
que, além de ser o meu chefe directo, era e é um grande amigo. Ainda lhe
propus trocarmos, eu dava Matemática e ele dava Ciências, mas ele não foi
na conversa, a Matemática era o foro dele e acabou-se.
Por essa altura a empresa, que vinha atravessando um longo período de
crise por falta de produção, tinha dispensado muitos trabalhadores, de
maneira que as coisas não estavam fáceis para os que ficaram,
principalmente para os técnicos que tinham que se desdobrar em várias
tarefas.
A minha equipa era responsável pela estação sismográfica, pela estação
climatológica e pela observação da barragem e eu, para além da gestão da
albufeira, tinha que cobrir as faltas dos observadores, para não
sobrecarregar o Raul (o trabalho nas galerias não é pêra doce...) e, por
vezes, tinha que passar os fins de tarde na subestação, a cobrir as
ausências do Vítor Cruz na programação das manutenções (trabalho de que eu
não percebia patavina mas de que me desenrasquei razoavelmente).
Posto isto, dar duas horas de aulas por dia era a última coisa de que eu
estava a precisar, até porque não se pode dar aulas de mãos a abanar, há
que as preparar.
Com o correr do tempo verifiquei que os miúdos se mostravam interessados,
que se comportavam muito bem e que eram bons alunos e alguns até alunos
brilhantes. Havia também alguns (poucos) que tinham uma certa aversão aos
TPC's. Tendo em atenção o estado em que se encontra o nosso ensino
actualmente, qualquer professor gostaria de dar aulas àquelas duas turmas.
Foi-se formando entre nós uma cumplicidade que não é comum acontecer entre
professor e alunos, apesar dos 20 anos de diferença. Não raras vezes,
carregava-os todos no Land Rover e ia-mos para o campo, observar as
camadas que compõem o solo, ou tentar identificar os minerais do granito,
ou outra coisa qualquer. Era uma festa, estavam sempre prontos para as
aulas ao ar livre. No fim das aulas, fazia uma volta para os deixar em
casa, não me custava nada e para eles era óptimo.
Por duas vezes tive que interromper as aulas a contragosto, uma por causa
de uma inspecção às galerias da restituição, outra porque tive uma crise
de malária que me ia matando.
Há pouco tempo tive o prazer de reencontrar a Kátia Carrilho, tem agora 30
anos, é uma linda mulher e tem um filho, pena que não tenha continuado os
estudos. Também fui contactado, no HI5, pela Teresa Saraiva, licenciou-se
em Biologia e é Investigadora, fiquei muito feliz por ela. Dos outros não
sei, mas gostava de saber, devem andar por aí, mas passaram 20 anos, já
não os reconheço, e não sou grande espingarda para decorar nomes.
Foi um trabalho completamente pro bono, mas ao mesmo tempo muito
gratificante. A melhor compensação que tive acontecia quando me
encontravam no clube ou no super e me rodeavam exclamando:
-Oh S'tôr, oh S'tôr...
Bolas, tenho tantas saudades...
Carlos Galvão.